quinta-feira, 16 de abril de 2009

Gravadora lança 50 discos de repentistas e emboladores


POR: FRANCISCO SÁ
da Folha de S.Paulo

Na década de 20, uma prosódia veloz, que soava como se fosse uma conversa árabe sob batida de pandeiro, deixava o modernista Mário de Andrade, em viagem etnográfica, com cara de turista abestalhado.

Era o choque diante da embolada, ou coco de embolada, poesia cantada de improviso que acaba de ganhar, juntamente com o repente de viola, o mais amplo registro fonográfico de todos os tempos: um pacote de 50 CDs.

A primeira dúzia de discos foi lançada este mês em São Paulo, por iniciativa do repentista Téo Azevedo, 59, caboclo do sertão mineiro que se firma, depois de 3.000 produções musicais do gênero, como um dos maiores apanhadores dos ritmos populares do país.

Os repentistas de viola (cantadores) e de pandeiro (emboladores) escaparam da praga apocalíptica de muitos folcloristas.

Agora o gênero alcança até o mercado pirata, mesmo sem nunca ter sido xodó da indústria cultural. É a tecnologia da cópia a serviço do folclore?

Longe da masturbação sociológica ensaiada pelo repórter, Azevedo ri da história: "Mal lancei os discos e muitas faixas já faziam parte de coletâneas piratas no Brás, no largo 13, na praça da Sé", afirma.

O sucesso é "Futebol no Inferno", de Pardal e Verde Lins, que merecem um dos discos da coleção "Os Grandes Repentistas do Nordeste". O hit pirateado narra um jogo de futebol entre o time de Lampião e o escrete do Satanás.

O tom é o surrealismo próprio da poesia popular nordestina -ao estilo de Zé Limeira, um paraibano cuja existência é questionada, que costumava enlouquecer platéias e desafiantes com versos capazes de corar um André
Breton e toda sua "écriture automatique".

Além da resistência nunca dantes imaginada por folcloristas -o próprio Mário de Andrade temia pelo futuro da embolada, quando quem corria riscos de fato era o futurismo da sua época-, os repentistas têm hoje uma liga afetiva consolidada com o rap, o "rhythm and poetry" estrangeiro.

"Fui criado ouvindo emboladores e, quando passei a fazer rap, vi o quanto os dois ritmos são do mesmo balaio", diz Zé Brown, rapper pernambucano do Faces do Subúrbio, primeiro grupo a fazer a ligação direta do repente com o hip hop. Os paulistanos Rappin" Hood e a dupla Thaide & DJ Hum, da classe A da rima, também fizeram um "bem-bolado" dos gêneros.

É de novo o repente, no ritmo da danada da dialética e seus balaios de contradição, resistindo, para abestalhamento dos puristas, em harmonia com o produto do "invasor imperialista".

A dupla Caju & Castanha, lançados em São Paulo pela gravadora Trama e que pôs a embolada no circuito jovem do dito sul-maravilha, é exaltada pelos mais antigos nessa crônica da teimosia. "Devemos a eles esse estouro que a embolada voltou a ter hoje", celebra Azevedo

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